Já ouvi muita coisa a respeito e as pessoas dizem as mais
variadas coisas, umas corretas do ponto de vista técnico, outras nem tanto...
Por isso resolvi escrever esse post e esclarecer essa
dúvida. O texto acabou ficando mais extenso do que eu pretendia, mas acho que
consegui abordar o assunto de uma forma simples e fazendo paralelos com
fenômenos conhecidos para que qualquer pessoa, mesmo sem conhecimentos de
elétrica, possa entender.
Na verdade, os conceitos mostrados aqui são uma aplicação
prática daquilo que ficou esquecido das aulas de física do colegial (agora
ensino médio): o professor ensinava e a gente não sabia para que iria usar isso
um dia na vida.
A abordagem feita aqui é técnica, mas de uma forma
simplificada, sem fórmulas, sem números... apenas conceitos.
MITOS E VERDADES
“eu só compro 220 porque o motor é mais forte...”
É comum ouvir dizer isso. Será verdade? Vejamos.
As ferramentas elétricas que possuem versões 110 e 220 se
tiverem motores com a mesma potência elas funcionarão de maneira igual
(desde que adequadamente ligadas à rede elétrica). Não haverá diferença entre a
de 110 e a de 220V.
Mas então por quê profissionais dizem que “a 220 é mais
forte”?
Duas podem ser as razões:
- Às vezes, por uma questão de projeto, a máquina 220 é
realmente mais forte que a 110, mas porque os motores são diferentes e o de 220
acabou sendo produzido com maior potência. Isso é mais comum quando se trata de
máquinas de maior potência (acima de 1.500W). Podemos tomar como exemplo a
tupia Makita RP2301FC. Segundo as especificações do fabricante o modelo 220V
possui potência de 2.100W e o 110 possui apenas 1.650W. Isso se dá porque
motores com maior potência exigirão muito da rede na hora partida e a maioria
das instalações elétricas residenciais não são dimensionadas para isso. Na
partida de um motor há um pico corrente que pode chegar a 8 vezes a sua
corrente nominal.
- A outra razão, e essa é a mais comum, é que a sensação de maior potência da máquina 220 se dá devido ao seu uso na obra: para funcionar adequadamente a máquina deve ser alimentada com 110V. Entretanto, todo mundo já viu como as máquinas são ligadas nas obras: é aquele fio de 20 metros, cheio de emendas. De um lado as pontas descascadas são penduradas na “caixa de luz” ou enfiadas de qualquer jeito em uma tomada e a outra ponta é ligada a máquina em uma tomada que já caiu no chão umas cem vezes, suja, cheia de cimento e terra. Na hora que a máquina é ligada, dos 110V que saíram do barramento só chegam 90 na máquina. Então ele está ligando a máquina em 90V e não em 110! Nas mesmas condições as máquinas 220 perdem menos da sua potência original, ficando "mais fortes".
“eu só compro máquinas 220 porque elas consomem menos
energia...”
Outro mito! A energia consumida pela máquina depende da
potência do motor e não da tensão de operação. Veremos mais um pouco
disso adiante.
“eu só compro máquinas 110 porque elas são mais seguras...”
Isso é verdade. Se houver algum problema e você levar um
choque elétrico, é melhor levar de 110 do que de 220!
“eu só compro máquinas 220 porque assim não queima se ligar errado...”
Outra verdade. Máquinas 220V não costumam queimar se ligadas em 110V. Já o contrario.... já queimei máquinas por causa disso.
MAS AFINAL, 110 OU 220V ?
A melhor resposta para essa pergunta é: DEPENDE. Cada
uma delas tem suas vantagens e desvantagens.
Máquinas 110 V
Vantagens
- Maior facilidade de uso, pois em regiões onde a rede é de 110V as residências possuem poucas tomadas 220V (basicamente no chuveiro e torneira elétrica)
- Maior segurança em caso de choque elétrico
- Queimam caso sejam ligadas por engano em uma tomada 220V
- Máquinas maiores costumam ter suas versões 110V com motores menos potentes
- Sobrecarregam mais a fiação elétrica (veremos isso adiante)
Máquinas 220 V
Vantagens
- Não queimam se ligadas por engano em tomadas 110V. Dá para perceber que algo está errado a tempo
- Máquinas maiores costumam ter suas versões 220V com motores mais potentes
- Sobrecarregam menos a fiação elétrica (veremos isso adiante)
- Em caso de choque elétrico, será uma descarga de 220V!
- Em regiões de rede 110V é mais difícil encontrar tomada 220V
O mundo ideal não existe. Ganhamos de um
lado, perdemos do outro! Para complicar um pouco mais temos ainda outro
aspecto: dimensionamento da rede elétrica.
Como já foi dito, motores de mesma potência consomem a mesma
energia quer sejam 110V ou 220V. Isso é verdade quando medimos o consumo na
máquina. Só que a nossa conta de luz é calculada com o consumo é medido no relógio que fica na entrada, as vezes muito longe do ponto de consumo. Nós pagamos aquilo que é consumido e esse
consumo pode ser dividido em duas parcelas.
Essa perda é devida ao efeito Joule sob a forma de calor: a corrente elétrica quando atravessa um condutor (fio) provoca um aumento de temperatura (todo mundo já colocou a mão em um fio e percebeu que ele estava “quente”). Esse aumento de temperatura é proporcional à corrente elétrica e às características do condutor. Temos como minimizar esse efeito, mas não como evitá-lo: sempre irá ocorrer.
- A primeira corresponde ao que efetivamente usamos para tocar nossas máquinas, iluminação etc...
- A segunda é a energia perdida na transmissão desde o relógio até os pontos de consumo.
Essa perda é devida ao efeito Joule sob a forma de calor: a corrente elétrica quando atravessa um condutor (fio) provoca um aumento de temperatura (todo mundo já colocou a mão em um fio e percebeu que ele estava “quente”). Esse aumento de temperatura é proporcional à corrente elétrica e às características do condutor. Temos como minimizar esse efeito, mas não como evitá-lo: sempre irá ocorrer.
Esse efeito tem influência no consumo e na segurança. No
consumo porque a energia dissipada sob a forma de calor passou pelo relógio e
não chegou na sua máquina, ou seja: você pagou e não usou. Na segurança porque
o aquecimento dos condutores pode chegar a níveis elevados a ponto de derreter
o isolamento do condutor e provocar um curto-circuito.
Além da perda de energia na forma de calor há uma queda de
tensão na transmissão: a tensão medida na entrada da máquina é sempre menor
do que a tensão medida no relógio, fazendo com que nossos equipamentos sejam
abastecidos com uma tensão inferior à tensão nominal para a qual eles foram
projetados. As normas brasileiras limitam essa queda de energia em até 4% (a
menos de casos especiais, como na partida de motores). Esses fenômenos são
notados em nossas residências como, por exemplo, aquela piscada que dá na luz
quando o motor da geladeira liga ou então na luz que fica mais fraca quando um
chuveiro é ligado e volta ao normal quando terminamos o banho. São efeitos da queda de tensão devido à entrada de mais um
equipamento de grande consumo no circuito.
É nessa perda que está a vantagem dos equipamentos 220V.
Vamos entender.
As perdas causadas pelo efeito Joule são diretamente
proporcionais à CORRENTE que circula no circuito (aumentando a corrente,
aumenta-se a perda) e inversamente proporcionais à BITOLA do fio (aumentando a
bitola, diminui-se a perda).
Tendo isso em mente para uma dada instalação elétrica quanto
MENOR for a CORRENTE que vai circular, MENORES serão as PERDAS. Sob esse
aspecto as máquinas 220V são melhores que suas correspondentes 110V (assumindo
que ambas têm a mesma potência). Como a potência é diretamente proporcional ao produto da TENSÃO (V)
pela CORRENTE (A), então, para uma mesma potência, quando DOBRAMOS A TENSÃO (de
110 para 220) a CORRENTE CAI PELA METADE.
A relação entre a CORRENTE e as PERDAS é maior ainda: a
energia dissipada na instalação elétrica (perda) varia com o quadrado da corrente, ou seja: DOBRANDO A CORRENTE a PERDA É MULTIPLICADA POR 4 (2²=4).
CONCLUSÃO:
CONCLUSÃO:
"Para a mesma instalação elétrica (bitola de fio) e máquinas de mesma potência, ao dobrarmos a tensão (110 para 220V) a corrente cai pela metade e a perda de energia pelo efeito Joule cai a ¼!"
Aí você pensa: eu posso usar máquinas 110 e faço o
dimensionamento da rede elétrica para suportar as cargas com as perdas dentro dos limites aceitáveis.
Isso é verdade, mas uma vez fixada a corrente a outra variável que temos para
mexer é na bitola dos cabos. Para diminuir a perda temos que AUMENTAR a bitola
dos condutores, e isso implica em um aumento também na bitola dos eletrodutos,
conexões, na capacidade dos disjuntores e tomadas. Ou seja: para a mesma
potência instalada e mesma perda, a instalação elétrica para trabalhar em 110V
é bem mais cara do que para trabalhar em 220V.
MAS E AÍ? COMO ESCOLHER?
Aqui no meu Cafofo sigo algumas diretrizes na hora da compra:
- máquinas estacionárias são ligadas em 220V. Essas máquinas normalmente possuem motores de indução e podem ser facilmente mudadas para operar em 220. Como são máquinas grandes elas têm lugar e tomadas fixos na oficina.
- máquinas portáteis com potência acima de 2CV (1.500 W) são 220V. Essas são aquelas máquinas que têm sua versão 110V com motor de menor potência, pois é difícil encontrar máquinas com motores de mais de 1.500 W que trabalhem em 110V.
- máquinas portáteis com potência inferior a 1.500 W são compradas na versão 110 V. Isso porque são máquinas que a gente acaba levando para fazer trabalhos fora e há uma dificuldade de liga-las em 220 V fora da oficina. Essa regra pode ser quebrada no caso de haver uma máquina em uma super oferta, mas só na versão 220 V. Aí a gente não vai perder...
COMO FAZER PARA NÃO QUEIMAR AS MÁQUINAS ?
Ter ferramentas portáteis 110 e 220 V na oficina é um
problema. O ideal seria ter tudo 220 V, mas isso complica sob o aspecto de
portabilidade nas cidades onde a rede é 110 V. Isso tende a acabar com a popularização das máquinas a bateria. Então, como fazer para não ligar
uma máquina na tomada errada?
Esse problema se tornou crítico e de difícil solução quando
da mudança do nosso padrão de tomadas em julho/2011 (NBR 14.136). Esse padrão
foi adaptado da norma internacional IEC 60.906-1, porém essa adaptação deixou
de lado a diferenciação entre tomadas de 110 e 220V. A IEC prega o uso de
tomadas de pinos redondos para tensões de até 250 V e pinos chatos para tensão de
110V, justamente para evitar acidentes com a ligação equivocada. Alguém, não sei por qual razão pouco técnica, deixou esse detalhe de lado.
Antes dessa norma entrar em vigor havia uma tomada usada
para 220V (aquela com 3 pinos, comumente chamada de “tomada de ar
condicionado”) que era uma forma de impedir a ligação equivocada. Com a entrada em vigor da norma essa tomada deixou de ser comercializada.
Eu, assim como todos os meus amigos, já queimei máquina por
ligá-la na tomada errada. Isso infelizmente acontece quando estamos distraídos
e trabalhando com diversas ferramentas ligadas à extensões. Fica meio bagunçado e a gente acaba fazendo besteira.
Ligar uma máquina 220 em uma tomada 110V normalmente não dá
problema. A gente percebe que ela não funciona direito, está girando devagar ou fazendo barulho estranho e
acaba desligando antes de estragar a máquina. O problema é ligar máquina 110 em
220 V. Ela queima antes de você perceber, pois o motor aguenta apenas poucos
segundos e quando a percebemos que algo está errado ela já era!
Como algumas ferramentas portáteis 220V (comprei
aproveitando oportunidades) eu faço uma marcação na ponta do cabo de cada
máquina: coloco uma volta de fica isolante vermelha nas máquinas 220 V e
amarela nas 110 V. As tomadas do meu Cafofo também possuem cores diferentes:
as 110V são pretas e as 220V são vermelhas, além de serem identificadas com
etiquetas.
AGORA A ESCOLHA É SUA !
Espero ter abordado o tema de forma abrangente para você
tomar sua decisão, dando subsídios para uma decisão técnica.
Lembre-se: instalação elétrica é coisa séria. A maioria dos grandes
incêndios são normalmente provocados devido a problemas elétricos. Para o
correto dimensionamento da instalação elétrica da sua oficina um Engenheiro
Eletricista deve ser consultado. É comum as pessoas saírem transformando um
quartinho em oficina, colocando um monte de máquinas que não foram previstas no
projeto e depois aparecerem problemas na instalação elétrica, como aquecimento
de condutores, oscilação na rede quando uma máquina é ligada, etc. Um projeto bem feito e bem executado pode poupar problemas no futuro.